24 de abril de 2013

O pipoqueiro - Leonardo Silvart


Som de inspiração
Muitos textos foram criados enquanto eu ouvia uma música repetidamente.
Você pode dar o play e ler o texto, se quiser. Em alguns casos, para dar um efeito maior
eu solicito que isso seja feito, mas, não é o caso deste texto.


      De uma hora para a outra, tudo perdeu a graça. Ao andar pela praça e... O cheiro da pipoca doce me fez lembrar de você. O pipoqueiro me olhou e sorriu. Na certa lembrou de nossa indecisão para saber se comprávamos a doce ou a salgada e, nessa luta de escolhas, você acabou cedendo. Fiquei feliz porque comeríamos a salgada. Pena que antes de por a primeira na boca você se enrolou no cadarço do próprio tênis e derrubou o saco inteiro no chão. Eu só olhei pra você e sorri. Não precisava lhe dizer nada. Você e seus erros me completavam. Lembro-me que, sorrindo olhei para o pipoqueiro e falei três palavras “agora a doce”. Nós três rimos. Mas, agora, só o pipoqueiro está a exibir sorriso. Na certa porque não sabe que eu e você não nos vemos mais. Só o pipoqueiro sorri. Eu olhei pra ele e, sem poder fingir alegria, segui meu caminho.

     Meu corpo estava cansado de caminhar. Minha mochila pesava sobre meus ombros. Meus joelhos informavam que era a hora de dar uma pausa. Foi quando notei o banco em que nós sentamos naquela vez. Não sei se era o nosso banco preferido, mas, na maior parte das vezes, era escolhíamos o mesmo. E, hoje, estava ocupado por outras pessoas. Outro casal, que ria um para o outro como se tudo girasse em torno deles. Era como nós. Era nós em outro corpo. Era nós no passado e, hoje em dia, nada mais faz sentido. O silêncio que eu fiz quando você disse que iria partir, agora me corroía. As palavras se trancaram em meu peito. O casal, sem notar minha presença, levantou do banco. Eu, vagarosamente, caminhei até ele. E a vez que você trancou o dedo indicador na fresta das tábuas do banco. E eu ria e não lhe ajudava. Estava lhe doendo mas você também não parava de rir. Tudo era essa constante alegria. Sofrimento de verdade, não havia. E seu rosto faceiro era o meu “bom dia” em qualquer manhã. Nem percebi quando sentei no “nosso” banco. Na real, nem sabia porque estava ali. Só senti que as coisas não eram como antes quando uma lágrima escorreu do meu olho. Despreocupada com o percurso, pendurou-se na ponta de meu nariz, e pingou na terra. Quando, então, percebo alguém a me chamar. Era o pipoqueiro que a toda cena assistia. Me olhou no fundo dos olhos, como quem havia entendido a história e estendeu para mim, um saco de pipocas. Olhei para as pipocas e novamente tornei a olhar o pipoqueiro. Aceitei, mesmo sem fome e sem vontade. Olhei para dentro do saco. Pipocas salgadas. O pipoqueiro voltou ao seu carrinho. Comecei a comer para não fazer desfeita. Quando cheguei ao meio do pacote, notei que as pipocas mudaram de cor. Não haviam só salgadas, a metade seguinte era de pipocas doces. Congelei por um instante. A mente pensava. Olhei para o pipoqueiro. Novamente ele tornou a sorrir, mas em riso simples, sem mostrar os dentes. Olhei novamente para as pipocas e soube o que fazer.

     Ainda com o saco de pipocas pela metade, corri até a parada do ônibus, embarquei no primeiro que parou, sabia que todos passariam pelo local que eu queria. Desci do ônibus apressado. Cheguei ao seu prédio. O porteiro, como sempre fazia, liberou minha entrada sem questionar. Toquei a campainha de seu apartamento, rezando para você estar em casa. Querendo que você fosse a pessoa que abriria a porta. E como em uma transmissão, ouço você dizer “já vai!”. Você, então, abre a porta, seus olhos vermelhos, as bochechas coradas, impossível negar que havia chorado. E eu ali, de frente para você. Com o coração na boca. Não havia mais silêncio, nossos olhos falavam tudo. Não havia mais palavras presas porque em poucos segundos eu soltei tudo o que prendia. “Seu olhar é o dono do meu sorriso. Sua falta de juízo, seu temperamento... São imãs que me deixam colado. Seu amor é a realidade dos meus sonhos e você sou eu, porque eu sem você simplesmente não existo. E o “te amo” que agora lhe deixo é apenas o início do quero que você entenda. Não viveremos só de doces. Mas, o melhor é saber que depois do salgado, o doce é bem melhor.”

LEONARDO SILVART

Esse texto é de 2013 e foi reescrito em 2023.